14 out 2020
AMAZÔNIA FEMININA

Leidi e a união das mulheres por uma vida melhor no interior de MT

Autor: Assessoria de Imprensa

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Para Leidi, apelido da agricultora Leidemar Moza, a pandemia causada pelo novo coronavírus (Covid-19) reforçou a sua convicção de que “o seu lugar” não é na cidade. “Imagina só ficar presa num apartamento num momento desse”, comenta a agricultora. “Aqui tem espaço, é a melhor coisa estar nessa comunidade.”

Leidi é mineira e Rondônia foi o destino escolhido quando saiu em busca de melhores condições de vida e para continuar vivendo no interior, onde nasceu e cresceu. O que motivava a agricultora e o marido, que conheceu ainda em Minas Gerais, era trabalhar para ter condições de adquirir uma propriedade própria.

Mas, conta ela, o terreno comprado no estado onde depositaram suas esperanças se mostrou improdutivo. “A gente comprou uma terrinha pra trabalhar pra gente mesmo, mas a terra era ruim demais e não dava nada.”. Foi quando seu irmão se mudou para o estado de Mato Grosso.

“Ele chamou e disse: ‘aqui é melhor’”, relembra a agricultora. Assim o casal se mudou para Mato Grosso, há nove anos, onde construíram uma casa em área próxima ao Projeto de Assentamento (PA) Nova Cotriguaçu, no município de Cotriguaçu, distante cerca de 800 quilômetros da capital Cuiabá.

O PA Nova Cotriguaçu ocupa uma área de cerca de 96 mil hectares e é composto por mais de 1.500 lotes.

O sítio adquirido, afirma Leidi, é a fonte de tudo o que precisam para viver. “A gente quase não vai ao mercado”, diz.

Criam galinhas e porcos, mantêm uma horta. As vacas na pequena pastagem da propriedade são responsáveis pelo leite que vendem e que garante a sobrevivência da maior parte dos assentados na região.

Mas a fartura nem sempre foi a realidade do casal no local.

“Quando a gente chegou aqui, sofremos bastante, para conseguir produzir e vender, fazer as pessoas conhecerem a gente”, afirma.

A situação, segundo ela, começou a melhorar por dois motivos: a vontade em permanecer e prosperar no novo lugar e a organização com os outros assentados, resultante do primeiro.

O Grupo de Mulheres Unidas foi a concretização de ideia surgida de Leidi e de outras mulheres da comunidade no ano de 2013. Todas integravam a Associação Grupo de Reflorestamento Agroindustrial Ouro Verde do Norte.

O município de Cotriguaçu é marcado pela formação de assentamentos de agricultores familiares, unidades de conservação e terras indígenas.

Como forma de resistir à forte pressão de desmatamento na região, os grupos formados nas áreas protegidas têm buscado alternativas de manejo sustentável de recursos naturais com a formação de organizações comunitárias, como a associação dos assentados.

Atualmente o projeto Redes Socioprodutivas, implementado pelo Instituto Centro de Vida (ICV) com recursos do Fundo Amazônia/BNDES, apoia empreendimentos comunitários nas cadeias produtivas de hortifrutigranjeiros, pecuária leiteira, café, castanha-do-Brasil, cacau e babaçu com métodos de produção sustentáveis e economicamente viáveis na região norte e noroeste do estado.

No início, conta a agricultora, eram muitas as integrantes do grupo feminino, cuja criação era motivada principalmente pela necessidade de incrementos na renda familiar com acesso a projetos destinados ao fortalecimento das agricultoras familiares.

O propósito da união entre elas, entretanto, foi remodelado com o passar do tempo. “Muitas começaram, mas saíram, achando que ia dar lucro rápido. No início, é mais trabalho do que qualquer outra coisa. Hoje somos quatro mulheres”.

Tecer os retalhos e construir o novo

As quatro encontraram nas reuniões do grupo mais do que uma alternativa para melhorar as condições físicas de vida: alento emocional e passatempo. Qualidade de vida além do que o financeiro é capaz de proporcionar.

“Eu pensava primeiro no dinheiro, as mulheres têm que trabalhar muito para conseguir as coisas, por isso nos unimos. Fui aprendendo a gostar daquilo, me distraía no encontro. Ficar em casa o tempo todo só faz colocar coisa na cabeça para preocupar. Quem fica só em casa só lava, passa e cozinha. Ir para o mato, conversar com outras mulheres é muito bom”, diz.

Uma das mulheres do grupo, relata ela, encontrou forças para enfrentar a depressão nos caminhos para colheita do coco babaçu e do cacau e nas conversas entre o vapor da cozinha onde fabricam doces juntas.

“Quando ela está ali com a gente, se distrai. Isso ajuda a vida de todas nós.”

Benedita Ferreira, técnica do Programa de Negócios Sociais do ICV, comenta que o tempo compartilhado entre as mulheres serve também como espécie de preenchimento para quem vive em uma área afastada, sem variedade nas opções de lazer. “É um espaço para falar da vida, para contar das dificuldades. O grupo é também uma familiaridade que se encontra”.

A assessora afirma também que o protagonismo das mulheres nas atividades também reforça a autoestima das envolvidas.

“Elas mesmo se organizarem é diferenciado. É tecer os retalhos, se organizar, rasgar o que tá podre e costurar com outras cores e tecidos. É por elas e para elas, e elas também se tornam referências dentro do assentamento”, diz.

A persistência e esperança depositadas na união se somaram ao prazer descoberto nos encontros e tornaram realidade a construção de uma nova cozinha para as mulheres do grupo.

Com apoio do ICV, o grupo também recebeu estufas de secagem para o babaçu, equipamentos para embalagens e seladoras para padronização dos doces, os mais diversos.

“Doce de leite puro, doce duro, com cacau, fazemos do jeito que pedirem. Também mexo com babaçu, eu já tirava lá [em Rondônia] mas aprender mesmo, aprendi aqui”, cita Leidi.

Para Jessé Lopes Carvalho, técnico do ICV e responsável pela cadeia do cacau no projeto Redes Socioprodutivas, a receptividade aos métodos de produção orgânicos das mulheres ativas do grupo é um diferencial que pode agregar valor ao produto comercializado, além de simbolizar aumento na saúde familiar e comunitária. “Muitas vezes, apenas o que falta é o conhecimento do manejo e a disponibilidade de tempo”, comenta.

O grupo das mulheres também foi um dos beneficiados pelo projeto Cotriguaçu Sempre Verde, que visou a nova trajetória de desenvolvimento municipal pautada na construção de soluções sustentáveis de produção e governança socioambiental.

Um dos diferenciais do grupo apontado pelo técnico é a inclusão de grande número das famílias do assentamento em seus projetos, de quem demandam matéria prima para confecção dos doces e incentivam, assim, o desenvolvimento da comunidade inteira.

Apesar dos desafios ainda impostos para alcançar novos mercados, como organização da gestão do grupo, os resultados das mulheres até agora foram determinantes para Leidi afirmar que não troca “por lugar nenhum no mundo” a chácara onde mora.

“Eu fui criada no sítio e meu negócio é tá mexendo com a terra. Quando a gente vai para cidade, pessoal olha parece que a gente é bicho [risos]. Não gosto de ficar na cidade não. Aqui é todo mundo amigo, os vizinhos chegam e você recebe, a gente conversa, é tranquilo, me sinto bem”, diz. Gosto compartilhado pelo filho de 27 anos, que chegou a morar na cidade, mas voltou para a chácara, onde hoje, com o apoio dos pais, constrói uma casa.

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