08 out 2021
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Famílias de Nova Bandeirantes (MT) recebem mudas de café mais produtivo e de fácil manejo

Autor: Assessoria de Imprensa

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  • Um tipo de café de maior produtividade e manejo facilitado agora é parte da realidade e aposta das famílias cafeicultoras de região na Amazônia onde, a cada ano que passa, é mais difícil de colher o grão.

    Aliado a técnicas de manejo de poda, solo e irrigação, o café clonal reúne características de diferentes espécies que o tornam mais produtivo e resistente, essencial para o fortalecimento da agricultura familiar no norte de Mato Grosso, classe à margem da economia em uma região amazônica sob intensa pressão de desmatamento.

    Neste mês, famílias receberam cerca de 42 mil mudas de café clonal. A entrega foi realizada pelo projeto Proteja e Restaure, implementado pelo Instituto Centro de Vida (ICV) com apoio da Global Wildlife Conservation (GWC).

    Chamado de ‘café de semente’ por ter plantada a semente de forma direta no terreno da produção, o café convencional contabiliza safras piores a cada ano que passa.

    O agricultor Ciro Alexandre dos Santos, afirma que a colheita deste ano, com pico no mês de julho, não rendeu quase nada para a família, que precisa contar com diárias fora da chácara.

    De acordo com o cafeicultor, o plantio de café na região já foi abundante e fértil.

    O município localizado a mais de 800 quilômetros de Cuiabá foi colonizado por famílias de agricultores que apostaram no cultivo do café quando chegaram entre as décadas de 1970 e 1980, o que garantiu a alcunha de “Rainha do Café” à cidade.

    “Antes qualquer café produzia bem aqui. Hoje, se não for área irrigada, não produz de jeito nenhum. É quase impossível e exige muita sorte”, diz.

    A atividade foi abandonada por muitas das famílias, desanimadas com os preços cada vez mais baixos do grão somados à diminuição da produtividade ao longo dos anos e à falta de estrutura para beneficiamento e escoamento do produto no município.

    O agricultor recebeu 3,5 mil mudas que vão completar dois hectares de café na sua propriedade.

    O técnico do ICV, Jessé Lopes Carvalho, explica o diferencial do café produzido em clones.

    “No café clonal, existe uma matriz selecionada que tem o mesmo fenótipo. Se tem boa produção, todos os pés produzem bem. Se é resistente a alguma doença , todos são fortes também”, exemplifica.

    “Um pé que produzia um latão de café no convencional, às vezes cinco, seis, sete para dar outro latão. No clone, não. Se o primeiro é um latão, até o último também vai ser”, atesta o cafeicultor Emerson Ferreira, que trabalha com clonal há anos.

    A família de Emerson foi uma das primeiras a investir no tipo de planta na região e foi a responsável pelo manejo das mudas entregues às famílias beneficiadas pelo projeto.

    A jovem de 19 anos Genifer Lorrane apoiou o processo de produção das mudas, que exige técnicas de poda das ramas para a criação das plântulas, plantio e cuidados com as diferentes variedades do café clonal no viveiro.

    Confira vídeo dela explicando o processo de poda para criação de mudas:

    O manejo praticado pelos integrantes da família difere bastante do que aprenderam a fazer quando chegaram nessas terras. A prática ainda é comum na região.

    “Fazia-se a derrubada da mata e então era feito o plantio com semente. E depois fazia a desrama depois de cinco a sete anos”, explica o técnico do ICV.

    A desrama é o processo de corte na base da planta e que exige a espera de um ano para o café crescer.

    Aos poucos, muitas famílias migraram para outras atividades, como a pecuária. Para Vanderlei dos Santos, um dos beneficiados pelas mudas, o que o impediu trocar o cultivo por pastagem foi o tamanho da terra.

    “Já pensamos sim, em desistir, mas pra quem tem terra pouca não compensa”, comenta.

    A nova aposta dos cafeicultores é baseada também na experiência de sucesso do vizinho, cuja situação da safra anual foi praticamente o oposto.

    “Surpreendeu a gente de tão boa, foi uma safra excelente”, conta Emerson.

    Jessé pondera, entretanto, que é preciso cuidado para que a redução da variabilidade genética na região não seja drástica, o que pode ocasionar em deficiência genética do café  e levar à diminuição da resiliência do cultivar em situações de mudanças ambientais e fatores externos.

    “Dessa forma, é possível manter o saldo positivo da tecnologia”, diz.

    CHUVAS DESREGULADAS E MANUTENÇÃO DA ÁGUA

    Tanto o café clonal quanto o convencional dependem de irrigação, atualmente sob risco com as alterações de chuvas causada pela crise climática.

    “Acho que tem a ver com o desmatamento que ocorreu muito por aqui”, diz Ciro.

    A derrubada da mata marca a história de Nova Bandeirantes, um dos municípios sob intensa pressão ambiental e historicamente um dos líderes em focos de calor no estado.

    “A gente percebe que cada ano que passa chove menos e tamo cavando água quase de dentro do leito do rio já. Antigamente os rios quase não paravam de correr. Hoje é difícil ver um rio que consegue manter uma seca todinha correndo água”, diz Ciro, que implementou um sistema de irrigação na sua propriedade com apoio do projeto.

    Jessé explica que o restauro das áreas de preservação permanente (APPs) melhora o sistema de abastecimento de água e é essencial para manutenção e sucesso da cafeicultura na região.

    “Com isso, quem tem nascente e água na propriedade não depende de poços artesianos, que são custosos”, afirma.

    Quando comprou a pequena chácara onde vive, o casal de agricultores Roseli de Souza Ribeiro e Moacyr Ribeiro se deparou com uma nascente em estado de degradação pelo desmatamento ao redor.

    “Queria o restauro pra segurar a água. Chegava na seca, a água era quase nenhuma”, afirma Roseli. “Os rios secando, a gente viu que tem que deixar mata e onde que derrubou, tem que reflorestar. De uns dez anos pra cá, tá bem ruim de chuva.”

    O marido concorda e ressalta que as medidas contra o desmatamento ainda parecem ineficazes.

    “A gente vê muita lei, mas ainda falta um meio de verdade para isso acabar. E a gente vê no dia a dia os efeitos de degradação”, afirma o agricultor que, antes de plantar como faz hoje, foi responsável pela derrubada de muita árvore amazônica da região.

    Com apoio do projeto, os dois iniciaram o processo de restauro no ano passado e agora aguardam o crescimento das espécies plantadas ao redor da nascente.

    Também é a primeira vez que o casal de agricultores irá trabalhar com o café clonal.

    Foram convencidos pela eficiência. “O terreno é menor para fazer manutenção da limpeza [poda] e para colher. Dá menos serviço e mais produção”, afirma a agricultora, que diz sentir cada dia mais quente na pele o sol no período da tarde.

    Diante de temperaturas mais quentes e diminuição da pluviosidade, o sombreamento das fileiras de café também se mostra urgente para manutenção de um microclima mais úmido e adequado a cultura.

    “Os sistemas agroflorestais se apresentam como uma alternativa viável pra isso”, afirma Jessé.

    SISTEMAS AGROFLORESTAIS E ORGÂNICO

    Ciro foi um dos que recebeu pelo projeto mudas de outras plantas: bananeiras, pequi, cupuaçu, açaí, mogno e cupuaçu e outras espécies que formam um consórcio de sistema agroflorestal (SAF) com o cultivo de café.

    No último mês, a família começou a colher os primeiros resultados, capazes de garantir ainda uma fonte de renda alternativa pela venda de frutas variadas.

    O sistema, lembra Jessé, exige conhecimento e técnica para que a implementação de espaçamento de cada planta e o sombreamento seja ideal para o cultivo café.

    “O resultado, quando bem trabalhado, é fonte de renda extra, saúde e maior conforto térmico para as famílias”, diz.

    Além disso, cumpre o papel de regeneração do solo, processo essencial para que o manejo do café seja produtivo.

    Emerson afirma a produtividade exige o cuidado com o solo, principalmente em casos de chuvas precipitadas.

    “Com a terra boa, existe a possibilidade de segurar a florada o máximo que der”, comenta o agricultor às chuvas

    O técnico do ICV relembra que o método agroflorestal garante o enriquecimento do solo com nutrientes provenientes da matéria orgânica, o que fortalece a planta.

    Como o café clonal é originado pelo cruzamento entre variedades mais resistentes a doenças e insetos, essa característica permite a diminuição de agrotóxicos e práticas nocivas ao solo.

    “Mas é preciso lembrar que um sistema agroflorestal não é uma floresta, é implementado e exige o correto distanciamento de ruas e planejamento técnico dos consórcios para que tenham os efeitos desejados”, diz.

    As famílias da região têm buscado alternativas com apoio técnico do ICV.

    Os beneficiados pelas mudas de café clonal são todos da Associação São Brás, organização comunitária rural que é uma das organizações integrantes da Rede de Produção Orgânica da Amazônia Mato-grossense (Repoama), entidade formada com objetivo de tornar as regiões norte e noroeste do estado referência na produção orgânica e agroecológica no bioma.

    BENEFICIAMENTO E A QUALIDADE DO CAFÉ E DE VIDA

    A associação também está no processo de reforma para construção de uma unidade de beneficiamento para o grão, hoje vendido para cerealistas, a preços baixos.

    “O café clonal também pode ter um impacto positivo para a qualidade nesse processo”, comenta Jessé. Com os cruzamentos entre diferentes variedades do clonal, é possível descobrir e padronizar um determinado sabor do produto.

    Ainda há um caminho a percorrer para que os sonhos nutridos desde as primeiras aberturas de clareiras nas florestas do novo município sejam conquistados e o cultivo do café não seja abandonado pela falta de valorização.

    Mas, como diz Emerson, a energia para isso é a paixão pelo que faz.

    “Não adianta ter um pedaço gigante de terra ou todo recurso, se não gostar do que faz, não vai pra frente. E a gente gosta”, comenta.
    Roseli não quer largar do café.

    Além de renda garantida anualmente e menos volátil que a venda de hortifrutigranjeiros, foi o que aprendeu a fazer desde criança.

    “Acostumei até com o trabalho duro da plantação de café desde sempre”, diz.

    Ciro segue o mesmo tom. “Meu pai plantava café, então eu planto também, sempre tive a ideia de fazer isso”, relata.

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