30 jul 2020
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Em cenário crítico, campanha alerta sobre os riscos das queimadas em Mato Grosso

Autor: Assessoria de Comunicação

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A agricultora Débora Maria Fiametti estava em casa quando sentiu o aumento da temperatura. Olhou para fora e, ao avistar fumaça, alertou o esposo. Sem acesso à internet, a família saiu em busca de ajuda nas outras chácaras da comunidade rural onde vivem. Grávida e com uma filha pequena à época, ela só haveria de voltar no dia seguinte para encontrar grande parte da propriedade da família devastada pelo fogo.

“Como era uma vegetação muito grande, ficou difícil conter o fogo que vinha e não tinha como o caminhão dos bombeiros entrar. O que pudemos fazer foi sair atrás de máquinas para tentar fazer aceiro em frente à nossa casa, que era rodeada de mato”, relembra.

Era agosto de 2017 e os ventos habituais da época da seca fizeram uma queimada se alastrar na área em um episódio que haveria de marcar para sempre a Comunidade Rural Nossa Senhora de Guadalupe, localizada em Alta Floresta, na região norte de Mato Grosso e a 800 quilômetros de Cuiabá.

Três anos depois, a tendência alarmante das queimadas de 2020 torna situações similares ainda mais prováveis na região.

No primeiro semestre do ano, foram registrados 6.747 focos de calor no estado, um aumento de 300 em relação a 2019, com 6.450, e que contabilizou um acréscimo significativo em relação a 2018, com 4.383 ocorrências.

Os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (Inpe) também apontaram um aumento de 530% no número de focos de calor no Pantanal mato-grossense no período e mostraram que a antecipação do período proibitivo pelo governo do Estado para o dia primeiro de julho não impediu um aumento de 12% no registro de focos de calor em comparação aos primeiros 15 dias de julho do ano anterior, quando a prática ainda estava liberada.

Diante da situação crítica, o Instituto Centro de Vida iniciou uma campanha informativa para conscientização dos riscos das queimadas em Nova Bandeirantes, município escolhido pela volumosa área de cobertura florestal conservada e o crescente aumento no desmatamento.

“Sabendo que o fogo é utilizado para a limpeza dessas áreas, existe esse ponto de atenção no município”, explica Vinícius Silgueiro, coordenador do Núcleo de Inteligência Territorial do ICV.

Em 2019, Nova Bandeirantes teve 124 km² de área desmatada de acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), sendo a maioria ilegal.  

A ação integra o projeto Proteja e Restaure, implementado pelo ICV com apoio da Global Wildlife Foundation (GWF) e que visa promover ações de proteção de propriedades familiares contra incêndios e a recuperação de áreas degradadas com atividades em três municípios da região norte do estado – Nova Bandeirantes, Paranaíta e Nova Monte Verde.

Juntos, os municípios somam mais de 4 mil famílias de agricultores e estão localizados na Amazônia, bioma que no primeiro semestre do ano liderou os índices de focos de calor com 60,93%, seguido do Cerrado, com 30,95%, e do Pantanal com 8,12%.

PERIGOS SOCIOAMBIENTAIS

Vegetação e solo amazônicos não têm resistência para o fogo, que também provoca prejuízos econômicos e sociais para os agricultores familiares da região. É o que explica o analista do ICV e biólogo, Eriberto Muller.

“A grande riqueza da floresta amazônica está na camada de matéria orgânica que está na parte superficial do solo. O fogo destrói esses nutrientes e os micro-organismos que fazem o ciclo nutricional do solo, deixando-o empobrecido e com recuperação lenta, onerosa e, alguns casos, com consequências irreversíveis. Quando a área apresenta baixa produção, muitas vezes agricultores abrem novas áreas, fazem uso do fogo, entrando num ciclo vicioso de abertura de áreas e aumento de degradações”, afirma.

Na região, o uso do fogo é comum para a limpeza e preparo de terreno para execução de atividades agropecuárias. Sob autorização emitida pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema/MT), a queimada legal é realizada com o uso de aceiros para contenção do fogo na área determinada.

A prática é proibida durante a época de estiagem, quando a vegetação está mais vulnerável e eleva os riscos de incêndios florestais, e é punida pela Lei de Crimes Ambientais (9.605/98) que prevê pena de um a quatro anos de reclusão. Em 2020, diante dos dados alarmantes do primeiro semestre, a proibição estadual foi estendida até o dia 30 de setembro.

A alta variação do clima local ainda causa rachaduras no solo que sofreu a queima, o que prejudica a absorção da água e o consequente desenvolvimento das plantas, afetando a produção.

Irineu Wagner, produtor rural de Nova Bandeirantes, confirma com a própria experiência em campo. “O pasto quando queima muito não brota muito bem porque tira a matéria orgânica”, afirma.

Outra consequência é a destruição das espécies de fauna que, com a baixa disponibilidade de alimentos e locais de abrigo, são forçadas a migrar para outras áreas quando sobrevivem.

Eriberto afirma que riscos similares se aplicam ao Pantanal e se diferem do Cerrado, bioma cujas estruturas vegetativas são mais resistentes e adaptadas ao fogo, uma ocorrência natural do ecossistema.

Ainda assim, faz a ressalva, o Cerrado não é adaptado às queimadas provocadas pelo ser humano de forma descontrolada. “A própria natureza tem as formas de controlar o fogo que acontece de forma natural, porque geralmente depois do raio, que podem causar uma queimada, vem a chuva para amenizar”, diz.

A campanha utiliza banners, anúncios nas rádios locais e peças divulgadas nas mídias sociais para alertar a população rural e urbana do município de Nova Bandeirantes.

“Muitos crimes ambientais são originados pela falta de informação ou por acesso a informações falseadas. Com o desmonte de órgãos ambientais em nível federal e a consequente piora na fiscalização, isso é agravado. Por isso, investimos na sensibilização para tentar a conscientização dos riscos da prática”, afirma o biólogo.

ALTERNATIVAS DE MANEJO DO SOLO E BRIGADAS COMUNITÁRIAS

Além da campanha, o projeto Proteja e Restaure ainda irá promover a capacitação em prevenção e combate a incêndios florestais em quatro comunidades rurais dos municípios, fomentar as brigadas de incêndios comunitárias e apoiar o plantio agroflorestal em 80 propriedades da agricultura familiar.

A maior parte das ações da iniciativa tiveram de ser adiadas como medida de prevenção ao coronavírus (Covid-19).

Antes disso, ao final de 2019 produtores rurais da Associação São Brás, de Nova Bandeirantes, receberam uma oficina sobre o uso de sistemas agroflorestais (SAFs), técnica capaz de regenerar áreas degradadas e que se apresenta como alternativa de manejo do solo para produção.

Eduardo Darvin, coordenador do Programa de Negócios Sociais do ICV, afirma que ao oferecer uma possibilidade econômica aos produtores rurais, o método se torna uma ferramenta de conservação ambiental. “Com isso, o agricultor prioriza aquela área e também há uma proteção dela do fogo.” Além disso, complementa, uma área com cobertura florestal tem menores chances de alastrar um fogo do que uma área de capim seco.

“Em 2012, reflorestei 100 mudas de árvores de castanhas-do-Brasil. Hoje tem algumas de 40 cm de diâmetro, valeu a pena”, relata Irineu, agricultor e um dos coordenadores do projeto em Nova Bandeirantes.

Já as brigadas comunitárias são uma forma de minimizar a dependência dos agricultores familiares do Sistema Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (PrevFogo) do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama), projeto de referência nacional no combate ao fogo e que recebia recursos do Fundo Amazônia/BNDES até 2018.

Em 2017, o incêndio na Comunidade Nossa Senhora de Guadalupe provocou uma mudança na organização da comunidade. “Depois do susto, nos trouxe o alerta para pensarmos no que podemos fazer para prevenir o fogo. A comunidade precisa estar preparada para esse tipo de situação. Hoje sabemos disso. Muitas vezes a gente não atenta que o perigo está próximo da nossa casa, como foi meu caso”, diz Débora.

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